Nos trigramas e hexagramas do I
Ching, as linhas inteiras, , simbolizam
as qualidades do chamado princípio yang,
ou seja, ativo, positivo, céu, homem, luminoso, quente, firme.
As linhas interrompidas, ,
simbolizam o princípio yin,
cujos atributos são: receptivo, negativo, terra, mulher, sombrio,
frio, maleável.
Tal como aparece descrito no Gênesis da
tradição judaico-cristã, a criação se faz por um processo de
polarização, ou seja, de uma particular separação das energias
adormecidas sem forma no Caos primordial. E toda manifestação
se processa mediante a dança ou luta infindável entre as duas
polaridades - yang e yin,
positiva e negativa, masculina e feminina, diurna e noturna,
e assim por diante.
Esse
jogo de forças está representado no conhecido símbolo chinês
do Tai Chi, no qual a parte branca simboliza a força criativa,
masculina, ativa, yang, e a parte negra a força receptiva,
feminina, negativa, yin. Os
dois pequenos círculos de cor oposta, na porção mais larga de
cada metade, revela que a intensificação máxima de um pólo já traz
o germe da forma oposta complementar. Nada permanece estático
no mundo da manifestação. Quando uma qualidade se intensifica,
ela tende a se transformar (ou se mover) em direção à qualidade
oposta, gerando a eterna dança das polaridades.
Tal situação de intensidade que
gera a mutação para a qualidade oposta é representada, no caso
do I Ching, pelas linhas móveis ou linhas
em mutação. Estas podem ser tanto yin quanto yang. Uma linha yang
móvel é representada por ,
e uma linha yin móvel por .
As duas forças primordiais do universo
- o yang e o yin - estão sempre presentes, em proporções variáveis,
em todas as coisas existentes. Qualquer fenômeno ou acontecimento
contém essa polaridade fundamental, que vai se modificando no
tempo e no espaço. A própria vida resulta do jogo dessas forças
em permanente processo de transformação.
Os santos sábios que promoveram
as civilizações humanas compreenderam as leis da transmutação
que atuam igualmente no céu, na terra e no homem. É por isso
que eles podiam prever os acontecimentos e agir de modo adequado,
no momento oportuno. Eles são exemplos e modelos para o nosso
esforço evolutivo.
Os
oito trigramas - os símbolos formados por três linhas - são os
componentes básicos dos hexagramas. É a partir de seus atributos
que se deduzem o sentido e os diferentes significados de cada
um dos 64 hexagramas.
Os trigramas não são considerados
apenas para traduzir o conteúdo dos hexagramas. Os mestres chineses
são hábeis para compreender os ciclos e deduzir seus aconselhamentos
a partir de diferentes distribuições circulares dos oito trigramas.
Nomes
e alguns exemplos de atributos de cada trigrama
|
Céu.
Criador, forte. É espacial, invisível e ilimitado.
Representa o pai. Parte do corpo: cabeça. Símbolo animal: cavalo. span> |
|
Terra. Receptivo,
maleável, dedicado. É formal, visível e limitado.
Representa a mãe. Parte do corpo: ventre. Animal: vaca. span> |
|
Montanha. Quietude. É o
concreto, o sólido e acumulação sólida.
Representa o filho mais novo. Parte do corpo: mão. Animal: cão. span> |
|
Lago. Alegria,
jovialidade. É a incógnita, a acumulação líquida.
Representa a filha mais nova. Parte do corpo: boca. Animal: carneiro.
span> |
|
Trovão. O
que desperta e movimenta. Desperta o mundo interior.
Representa o filho mais velho. Parte do corpo: pé. Animal: dragão. |
|
Vento. Madeira,
suave, penetrante. Desperta o movimento exterior.
Representa a filha mais velha. Parte do corpo: coxa. Animal: galo. |
|
Fogo. Sol.
Luminoso, aderente. É o impulso ascendente.
Representa a filha do meio. Parte do corpo: olho. Animal: faisão. |
|
Água. Nuvens,
abismo, perigo. É o impulso descendente.
Representa o filho do meio. Parte do corpo: ouvido. Animal: porco. |
Formulação
das perguntas
O I Ching é a representação
viva e generosa do Velho Sábio, ao qual podemos recorrer sempre
que necessitarmos. Não cabe diante dele qualquer sentimento
de apreensão ou de respeito exagerado, que acabariam nos afastando
e nos privando de sua boa influência. Para esse mestre compassivo
e justo, qualquer interrogação, mesmo a de aparência mais banal,
terá boa acolhida se for sincera.
Embora seja uma grande fonte de
ensinamentos e de conselhos estratégicos, o I Ching é principalmente
utilizado por sua função oracular.
Como a linguagem do livro é simbólica,
suas respostas às nossas perguntas deverão ser interpretadas
em função do assunto que estamos tratando. Muitos iniciantes
sentem dificuldade para entender a reposta porque viciam a consulta
com perguntas tipo "sim ou não". Na verdade, na maior
parte das vezes a resposta do oráculo consiste mais em orientar
o consulente para chegar a um bom resultado, e não simplesmente
em responder com um sim ou não. Uma pessoa, por exemplo, pode
estar doente e, nesse caso, a resposta mais útil para uma pergunta
sobre saúde será a orientação para encontrar a cura e não apenas
para confirmar, com um sim ou não, que de fato ela se encontra
doente, o que provavelmente ela já deve estar sabendo.
A postura mais eficaz para a consulta,
portanto, é a de expor a questão da maneira mais clara possível
e pedir uma orientação ou prognóstico, de acordo com o que for
mais importante naquele determinado momento.
O I Ching não exige ritos ou
complicações. É preferível imaginá-lo como um bom e sábio avô que,
sem formalidades, está antes de mais nada interessado em dar
a melhor ajuda possível.
Não existe, porém, qualquer
contra-indicação para rituais, se isso fizer bem ao consulente.
Acender incenso, fazer orações ou meditação constituem para
algumas pessoas recursos benéficos para abrir a receptividade. É bom
lembrar, porém, que as forças de ajuda celeste estão sempre
disponíveis. Elas não precisam ser seduzidas ou compradas.
O que estabelece uma conexão verdadeira é o nosso desejo de
compreender a situação.
As
formas de sorteio
Para se obter do I Ching uma orientação
específica, existem várias maneiras de sortear o hexagrama que
responderá à nossa questão. Alguns recorrem ao modo direto e
simples de abrir o Livro das Transmutações ao acaso, enquanto
outros preferem um sistema mais elaborado, que exige o manuseio
de 50 varetas.
A forma mais comum utiliza três
moedas para o sorteio. Que moedas usar? Quaisquer que tivermos.
Os chineses usam moedas chinesas porque são para eles as que
se encontram à mão. No Brasil, o simples e óbvio será utilizar
as nossas moedas. Muitas pessoas, porém, se confundem e deixam
de consultar o livro porque não têm moedas chinesas. Não devemos
cair nesse equívoco. Se o mais importante, o texto, já é uma
versão brasileira, por que não as moedas?
Para sortear as respostas do I
Ching, no entanto, faz sentido para muitas pessoas guardar moedas
exclusivas para isso, ou usar moedas que tenham alguma história
pessoal, porque podem ajudar a estabelecer um vínculo. Mas a
criatividade poderá dar outras soluções, como a utilização de
medalhas ou moedas antigas.
Todas as possibilidades de sorteio
funcionam bem. O I Ching, tal como os textos sagrados, está acima
das formalidades.
O sorteio é simples: lançamos as
três moedas 6 vezes, uma vez para cada linha. As linhas sorteadas
são yin ou yang,
dependendo das combinações de cara e coroa das moedas.
O
sorteio com moedas
Explicar por escrito é sempre mais
complicado que demonstrar. Com um pouco de paciência, porém,
seguindo passo a passo as instruções, logo se aprende.
Como o hexagrama tem seis linhas, é preciso
lançar seis vezes as três moedas escolhidas para o sorteio.
Em primeiro lugar precisamos convencionar
com clareza qual é a cara e qual é a coroa das moedas, ou seja,
qual é a face yang e qual a yin. Como sugestão,
vamos considerar que a face na qual está cunhado o valor da moeda,
a cara, é o lado
yin. A face com o brasão ou qualquer outro elemento decorativo,
a coroa, é o lado
yang.
Podemos também acolher a explicação
de Blofeld, que considera a face com o valor inscrito como sendo yin
(2), porque o yin é receptivo, isto é, "recebe
e grava a cunhagem do valor", enquanto que a outra face,
que em muitas moedas antigas era lisa, representa o yang
(3).
O consulente, com as três moedas
na mão, mantém em mente o assunto para o qual deseja obter orientação.
A seguir, lança as três moedas ao mesmo tempo. A primeira jogada
revela a linha inferior do hexagrama; a segunda jogada indica
a segunda linha de baixo para cima e, assim por diante, até a
sexta e última jogada, que indica a última linha superior.
Há quatro combinações possíveis
de coroa-yang e cara-yin nos lançamentos das três
moedas, e cada uma delas indica um tipo de linha, como pode ser
visto na tabela que se segue:
Tabela
das moedas
Na tabela, a cara da moeda está representada
pelo valor 50, e a coroa pelo desenho. O lado com o valor inscrito é yin;
o lado com o desenho é yang.
|
1
yin e 2 yang = linha yin,
em repouso, valor 8 |
|
2
yin e 1 yang = linha yang,
em repouso, valor 7 |
|
3
yin = linha yin
móvel, valor 6 |
|
3
yang = linha yang
móvel, valor 9 |
Cada linha também pode ser designada
por um número específico, que se obtém pela soma dos valores
atribuídos às faces yin e yang da moeda. O lado yin vale 2 e o lado yang
vale 3.
Exemplo: se saírem duas moedas
com a face yang e uma com a face yin, somaremos
3 + 3 + 2 = 8. Isso quer dizer que obtivemos uma linha 8, ou
seja, uma linha yin em repouso, ou estática, .
Não precisamos nos preocupar inicialmente
com esses valores. Eles estão sendo mencionados porque, nos livros,
as linhas são indicadas; por exemplo: "9 na primeira posição", "6
na quarta posição" e assim por diante.
Exemplo
de um sorteio
Para facilitar a compreensão, vamos
imaginar um sorteio em que as moedas deram os seguintes resultados:
6ª linha: |
3
yang |
= |
|
5ª linha: |
2
yang, 1 yin |
= |
|
4ª linha: |
2
yang, 1 yin |
= |
|
3ª linha: |
1
yang, 2 yin |
= |
|
2ª linha: |
1
yang, 2 yin |
= |
|
1ª linha: |
2
yang, 1 yin |
= |
|
Esse hexagrama é formado pelos
seguintes trigramas:
o
trigrama Vento (as três linhas inferiores)
e
o trigrama Montanha (as três linhas superiores).
Para encontrar no I Ching o texto
correspondente a esse símbolo, basta procurar, na Tabela a seguir,
o número do hexagrama sorteado, ou seja, o número de ordem em
que se encontra no Livro.
Procure o trigrama inferior na
coluna à esquerda (o 6º de cima para baixo, no exemplo), e o
trigrama superior na fila de cima da Tabela (o 4º da esquerda
para a direita, no exemplo); no cruzamento da coluna com a linha
está o número do hexagrama procurado (no nosso caso, o 18).
Tabela
dos hexagramas
Superior W
Rs Inferior |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
1 |
34 |
5 |
26 |
11 |
9 |
14 |
43 |
|
25 |
51 |
3 |
27 |
24 |
42 |
21 |
17 |
|
6 |
40 |
29 |
4 |
7 |
59 |
64 |
47 |
|
33 |
62 |
39 |
52 |
15 |
53 |
56 |
31 |
|
12 |
16 |
8 |
23 |
2 |
20 |
35 |
45 |
|
44 |
32 |
48 |
18 |
46 |
57 |
50 |
28 |
|
13 |
55 |
63 |
22 |
36 |
37 |
30 |
49 |
|
10 |
54 |
60 |
41 |
19 |
61 |
38 |
58 |
A
leitura
Caso não ocorram linhas móveis
durante o sorteio, os textos do hexagrama obtido (Julgamento,
Comentários e Imagem) contêm todos os elementos para orientar
a questão formulada.
No caso de saírem linhas móveis,
deve ser traçado um segundo hexagrama resultante da mutação destas
linhas. A linha yang móvel, ,
transforma-se numa yin em repouso, , e a linha
yin móvel, , numa
yang em repouso, .
Em
nosso exemplo, só a sexta linha é móvel, fazendo com que o hexagrama
18 dê origem ao 46.
Quando existem linhas móveis, além
da leitura do Julgamento e Imagem do hexagrama inicial, devemos
ler também os textos referentes a essas linhas móveis (que no
nosso exemplo seria a sexta linha do hexagrama 18) e, a seguir,
completar com a leitura do Julgamento, Comentários e Imagem do
hexagrama final (46, no exemplo). Deste último, por ser a conclusão
e não ter mais linhas móveis, não precisaremos ler os textos
referentes às linhas.
O conjunto desses textos representa
a resposta do I Ching ao consulente.
A
Interpretação
Quanto mais utilizamos o I Ching,
para nós próprios ou ajudando outras pessoas, tanto mais rápido
compreendemos as respostas e confiamos nelas. A convivência é a
via mais eficaz para a aprendizagem e serve para demonstrar na
prática o poder magnífico do Livro.
Uma dúvida muito comum entre os
iniciantes, quando interessados em previsões, refere-se ao
tempo em que ocorrerão os prognósticos dados pelo Livro.
De um modo geral, podemos considerar que existe uma seqüência
temporal que começa com o hexagrama inicial, passa pelas linhas
móveis e conclui com o hexagrama final.
Com um pouco de prática, e à medida
que deixamos bem clara a pergunta para nós próprios, aprendemos
a identificar qual passagem dos textos se refere ao nosso presente.
Não existe uma regra fixa para isso: às vezes, o presente é retratado
pelo hexagrama inicial, enquanto que o futuro fica indicado pelas
linhas móveis e pelo hexagrama final. Outras vezes, no entanto,
poderemos reconhecer que o hexagrama inicial e as linhas falam
dos antecedentes de nossa questão e que o hexagrama final retrata
o presente ou o futuro imediato.
Bibliografia
1.
Richard Wilhelm. I Ching, o Livro
das Mutações. Ed. Pensamento.
É considerada a melhor versão do texto chinês, feita
originalmente para o alemão. Tem mais de 500 páginas; a parte essencial para
consultas, no entanto, está entre as páginas 29 e 196, e apresenta todos os hexagramas.
Livro indispensável para quem quiser conhecer a fundo
a simbologia do I Ching.
Para o iniciante, a dificuldade está em encontrar, no
meio do livro, as instruções para sorteio.
2.
John Blofeld. I Ching, o Livro
das Transmutações. Ed. Record.
Tradução simplificada, cujo valor principal está na introdução
acessível e didática para utilização do livro. A apresentação da edição brasileira
traz uma visão geral dos princípios yin-yang, que pode ser muito útil aos iniciantes.
Tome cuidado com um ponto: a tabela de sorteio com moedas,
na página 75, está incorreta.
3.
Carol Anthony. O Guia do I Ching.
Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira.
Um bom livro de estudo de cada hexagrama, que discute
a compreensão dos significados práticos dos símbolos e imagens do texto traduzido
por Wilhelm.
4.
Wu Jyh Cheng. I Ching, a Alquimia
dos Números. Editora Objetiva.
Livro que estuda elementos simbólicos do I Ching sob
vários ângulos, inclusive o numerológico. Seu autor, radicado no Rio Janeiro,
traduziu material diretamente do chinês para o português e dá uma ótima contribuição
para os estudos do Livro.
Não está voltado para o iniciante que quer aprender a
utilizar o I Ching como oráculo, mas é indispensável aos estudiosos brasileiros.
5.
Richard Wilhelm. A Sabedoria do
I Ching. Mutação e Permanência. Ed. Pensamento.
Estudo do próprio tradutor do I Ching ao alemão, que
trata dos princípios filosóficos do Livro.
6.
James Legge. I Ching, o Livro
das Mutações. Hemus, Livraria Editora
Uma tradução clássica, que ajuda os estudiosos a encontrarem
alternativas dos significados dos hexagramas. Sua leitura, entretanto, é muito
confusa para os iniciantes.
7.
Pe. Joaquim A. de Jesus Guerra. O Livro das Mutações (Yeg Keq).
Macau, Jesuítas Portugueses, 1984.
Apresenta a mesma dificuldade de leitura que a tradução
de Legge, agravada pela edição mal cuidada. Pode ser muito útil, contudo, para
o estudioso examinar outras possibilidades de compreensão do original chinês.
Associação
Pak Shao Lin de Kung Fu
www.pakshaolin.org